terça-feira, 18 de setembro de 2007

Da outra

Seria bem possível dizer o seguinte: ela o amava. Estela entortava-se toda tentando tornar sua beleza mais incomparável, oferecia as mãos e as papilas - e degustava, degustava, degustava. Sei que eu não a deveria ter conhecido tão bem - era preferível antes, quando ela aparecia toda firme e praticamente nascida para os gritos e para o amor. Acontece, no entanto, que ela me veio esses dias contando segredos de mulherzinha. Segredos de mulherzinha, sabe como é? De falar de amor baixinho, ter inveja dos cabelos mais delicados da outra e sentir ciúmes da parte dele que desejaria um anjo. "A outra" - Estela me falava baixinho - "eu nem sei se existe." Mas que dançava nos sonhos dela, ah, dançava. Estela amava a outra dançante ao infinito - e como era casta a dança -, delirava perdida nos cabelos dela e jurava, então, que tomaria aquela delicadeza toda para si. Devoraria a outra. Porque Estela bem sabia: ciúme não é ódio, é amor. E, de amar a tal moça, dava-lhe um nome e mil segredos lindos. De amá-la, imaginava-a incapaz de errar o ponto do arroz e chorar sem motivos. Seria bem possível dizer o seguinte: Estela o amava, e amava a idéia de que ele desejasse a outra. Amava tanto que se fez a outra, buscou mais delicadeza nos cabelos e nos gestos, fez um silêncio e se reinventou uma dama. Estela não é exatamente a mesma de antes. Mas ainda seduz. Ainda grita. Ainda canta.

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