quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Estilhaços

Estela faz estilhaços. O que são estilhaços? Estilhaços são coisas que Estela faz às quatro horas da manhã. "O amor é quando a gente se encosta e pensa que vai morrer?" - pergunta ela, e todo seu corpo é sempre prestes a morrer. No dele. Acontece que há uma vida diferente e um segredo, há a delicadeza de compreender a velhice tão antes, Estela compreende as coisas antes. E, antes mesmo de ser mulher, já treinava os passos - não no óbvio de usar salto alto da mãe, mas na fluidez perigosa dos sonhos, na imaginação da entrega, num certo horror inexplicável. Era um horror inexplicável ter nascido para ser fêmea, e Estela era mulher e fêmea e era também aquela criatura assustada que compreendia a velhice bem antes. Sussurrava a dor dos outros e estilhaçava de madrugada. Guardava a sensibilidade viva de uma menina comum. Mas, enquanto ele ainda estava ali, era fêmea em amor e carne, e tinha o mesmo olhar sem compaixão - aquela coisa terrível que era o olhar de quem não ama. Acontece, no entanto, que amava.

Ama e faz estilhaços.

Um comentário:

L. disse...

Fui responder ao seu texto e virou outro texto. Tá lá no meu cantinho. Para você. Ou para mim? Bom, tem um outro mais antigo que trata de um ato falho meu "onde estava escrito vidraçaria eu só pude ler estilhaçaria" isso aconteceu de verdade, num ônibus voltando cansada do trabalho para casa. Mas o ato falho, é claro, não aconteceu numa simples troca de letrinhas pela fadiga... Chama-se Estilhaçaria.
Vou parar antes que vire outro texto. [Hoje eu estou numa angústia palavrosa]
bj,
L.